Na noite do dia 29 de maio participamos da cerimônia de entrega do Pritzker de Arquitetura de 2013, ocasião onde o arquiteto japonês Toyo Ito recebeu o prestigiado prêmio. O evento aconteceu na Biblioteca Presidente JFK, em Boston, nos Estados Unidos.
Em seu discurso Toyo Ito homenageou aos profissionais que trabalharam com ele durante seus 42 anos de atividade profissional, incluindo engenheiros e arquitetos que participaram da cerimônia, e também a uma ex-funcionária muito especial: Kazuyo Sejima, que trabalhou com Ito durante sete anos antes de começar o seu próprio escritório (SANAA), a arquiteta também já foi premiada com o Prêmio Pritzker (2010). Ito comentou em seu discurso: "Fazer arquitetura não é algo que se faça sozinho, é preciso ser abençoado com muitos bons colaboradores para que isso aconteça".
Ito continuou seu emocionante discurso contanto como a arquitetura moderna e a natureza estão em constante conflito,e como ele aborda essa relação e também o que ele espera do futuro.Ainda parafraseou a famosa citação de John F. Kennedy "não pergunte o que a América fará por você" instigando com a seguinte pergunta: O que nós podemos fazer pela liberdade do homem?
Abaixo reproduzimos o discurso completo, onde é possível entender a paixão de Ito pela arquitetura e sua visão crítica do estado atual do mundo em uma mensagem de união para os arquitetos:
Boa noite senhoras e senhores! Estou muito feliz e honrado por ter sido agraciado com o Prêmio Pritzker na presença de tantos amigos queridos e ilustres arquitetos de todo o mundo. É também um prazer especial estar aqui, na Biblioteca John F. Kennedy, no dia do aniversário do Presidente Kennedy. Eu acredito que este é o melhor dia da minha vida até agora!
Primeiramente eu gostaria de expressar minha sincera gratidão à Família Pritzker: a Sra. Cindy Pritzker, o Sr. Thomas J. Pritzker e a Sra. Margaret Pritzker. Agradeço também aos membros do júri, Lord Peter Palumbo, o Sr. Alejandro Aravena, o Sr. Juhani Pallasmaa, Sr. Glenn Murcutt, o Sr. Stephen Breyer, Sr. Yung Ho Chang e Srta. Martha Thorne.
Ao mesmo tempo, ao estar aqui em Boston, não posso evitar de pensar nos atentados ocorridos aqui no mês passado. Por favor, permitam-me oferecer minhas condolências às famílias das vítimas e a todos aqueles cujas vidas foram afetadas por esses terríveis acontecimentos.
Já passaram 42 anos desde que eu abri meu primeiro escritório. Fazer arquitetura não é algo que se faz sozinho, é preciso ser abençoado com muitos bons colaboradores para que isso aconteça. Eu gostaria de expressar o meu profundo agradecimento ao Sr. Mutsuro Sasaki, que é um talentoso engenheiro de estruturas, e que está aqui conosco hoje. Durante quase vinte anos, o Sr. Sasaki me proporcionou um fluxo constante de criativas ideias estruturais pelas quais sou extremamente grato. Eu também gostaria de agradecer a minha equipe por estarem sempre comigo e compartilhar seus duros esforços ao longo de tantos anos.
Fazer arquitetura é a tentativa de estabelecer a ordem adiante da incessante instabilidade social e das mudanças naturais do mundo. Muitas vezes acontece, no entanto, que essa busca pela ordem se vê afetada por contentar-se com soluções ultrapassadas e convencionais presas em modelos tradicionais . Para mim, a tarefa do arquiteto é liberar as pessoas desses modelos restritivos, criando espaços em que elas se sintam à vontade e onde possam ter a sensação de liberdade.
É por isso que eu fiquei especialmente satisfeito ao ler a citação do Júri sobre o meu trabalho. Os membros do júri escreveram que eu "procuro ampliar as possibilidades da arquitetura", e que os meus trabalhos, " atingem um nível de calma que permite aos usuários desenvolver livremente suas atividades dentro deles." Eu sempre tentei empurrar minha arquitetura para a frente, sem permitir que o meu estilo se estagnasse. E eu fiz isso com aintenção de "inovar" a arquitetura e para manter "um nível de calma."
A arquitetura das cidades em que vivemos hoje teve o seu início no começo do século XX. Em Nova York e Chicago, Mies Van der Rohe e outros criaram arranha-céus, como nunca antes existiram na história da humanidade. Na Europa, Le Corbusier e seus colegas propuseram os seus brilhantes e brancos espaços em formas cúbicas, conjuntamente com muitas outras ideias para um novo urbanismo. Este tipo de arquitetura inovadora parecia oferecer possibilidades ilimitadas para a cidade do futuro.
Estes esforços experimentais e o pioneirismo trouxeram consigo uma nova era urbana, e as populações começaram a concentrar-se nas cidades. As cidades de hoje estão repletas de arranha-céus e já contam com 50% da população do mundo. Num futuro próximo, esse número subirá para 70 %. A arquitetura modernista, baseada na ideia de que a tecnologia em rápido desenvolvimento permitiria a produção em massa de baixo custo dos mesmos tipos de arquitetura, em qualquer ponto do globo, tornou possível a migração de mais e mais pessoas em áreas urbanas. Esta mesma ideia, no entanto, também significa que cidades do mundo perderam suas identidades locais ao serem reduzidas a uma série de estruturas uniformes e indistinguíveis.
A ideia de "modernidade" foi, naturalmente, originalmente sobre a libertação de indivíduos racionais e autônomos de comunidades tradicionais, e a formação de uma sociedade civil baseada no respeito pela liberdade dos indivíduos. Também implicou a crença de que a natureza poderia ser conquistada através da inovação tecnológica. Eu acho que pode-se dizer que o século XX alcançou este ideal de modernidade e que a realização de uma sociedade como civil tem criado uma vida melhor atualmente.
As cidades de hoje, no entanto, parecem muito diferente das cidades do futuro imaginadas por nossos antepassados há um século atrás. Os cidadãos são muitas vezes confinados dentro de grades monótonas, as suas conexões com outras pessoas estão cortadas, e todos acabam sendo condenados a uma existência cada vez mais isolada. Até agora, aqueles que migraram para as cidades sonhando com uma vida de liberdade e abundância agora veem-se apáticos e reduzidos a uma multidão de indivíduos alienados. A arquitetura moderna construiu uma barreira entre si e a natureza e confiou na tecnologia para criar ambientes artificiais sem conexão com a mesma. Isto privilegiou a função e a eficiência, e simultaneamente isolou-se das histórias particulares e a cultura dos entornos locais. Este tipo de isolamento da natureza e rejeição das comunidades locais são os culpados pela uniformidade presente nas cidades atuais e nas pessoas que nelas vivem.
Meu trabalho sempre consistiu em derrubar o muro que separa a arquitetura moderna da natureza e da comunidade local, a fim de criar uma arquitetura aberta para ambos. Estou muito feliz em ver que os jurados consideraram este aspecto do meu trabalho. Eles escreveram sobre isso:
"Buscando a liberdade da rigidez da quadricula, Ito está interessado nas relações: entre os dormitórios, exteriores e interiores, e o edifício e seus arredores. O trabalho de Toyo Ito é baseado na inspiração dos princípios da natureza, tal como evidenciado pela unidade alcançada entre estruturas semelhantes de organização, de superfície e de pele."
Eu faço questão de continuar a visitar o local do terremoto e do tsunami que atingiu o Japão há dois anos, em 11 de março, e cada vez que eu vou me lembro da impotência da tecnologia em face a fúria da natureza. Esta foi uma catástrofe provocada pelo orgulho humano vis à vis a natureza.
Acredito que chegou o momento de reaproximar-nos da natureza, de abrir nossas cidades monótonas para a abundância da natureza, e reconstruir um ambiente mais vibrante e humano. Exorto todos nós arquitetos a trabalhar em conjunto para enviar uma nova mensagem ao próximo século, que é tão brilhante e cheio de esperança como a transmitida por nossos predecessores de um século atrás. Para que isso aconteça, nós, os arquitetos devemos transformar-nos. Não devemos permanecer enfocados em pequenas diferenças, mas sim trabalhar em conjunto para encontrar uma mensagem para a próxima geração, que todos nós possamos compartilhar.
Em seu discurso inaugural de 1961, John F. Kennedy disse: "Meus companheiros cidadãos do mundo: não pergunte o que a América pode fazer por vocês, mas o que juntos podemos fazer pela liberdade do homem." Mesmo agora, meio século mais tarde, não existem palavras tão inspiradoras como estas. Agora também devemos perguntar-nos: O que nós podemos fazer pela liberdade do homem?
Muito obrigado.
Toyo Ito, Biblioteca Presidente JFK, Boston, 2013.